Miro, 13 de janeiro de 2006.
Ainda sinto percorrer em minhas veias
um resto nobre de algum sangue lusitano
como se fosse possível em um instante
correr feliz até o próximo cais do porto
e comandar caravelas qual um rico infante!
Deixar para traz o Tejo, o beijo da donzela
o conforto do castelo, o calor de suas lareiras
a despedida em festa de aldeãos ribeirinhos
o aroma de bacalhau cozido no azeite puro
e o sexo comedido entre os lençóis de linho!
A família e a coroa a lucrar com o intento
a posse de novos títulos e fidalgos fundos
a descendência a se garantir por séculos
e mesmo em companhia de degredados
alimentar a esperança de um novo mundo!
Com os olhos marejados de contente
partir por mares nunca dantes navegados
sentir o cheiro de Netuno entre as narinas
no acri-doce de peixes secos no convés
e nos suores salgados por naval rotina!
Na boca um gosto travado pelo tabaco
e traços licorosos de vinhos da Madeira
a água em sono nos tonéis e o quinino
dando ao hálito o sabor podre dos diabos
longe das especiarias e temperos finos!
A pele ressecada no Sol e água salgada
vira termômetro para auscultar o clima
o peito aguarda nas tardes escaldantes
o refresco da garoa sobre os poros nus
e nas tormentas... um arrepio constante!
Ouvir anestesiado às ondas sob o casco
atentar as velas e qualquer outro estalido
do silêncio mortal do vento em calmaria
até o recrudescer da brisa em furacão
manter a direção e a alma em romaria!
Fixar os olhos na proa e no horizonte
medir as estrelas com sextante precisão
buscar no céu uma gaivota transparente
folhas verdes no mar, flutuantes troncos
que apontem ilhas ou o novo continente.
Manter no passadiço o timão e a voz firme
controlando com gana a moral dos homens
lutar contra o escorbuto, motins e pilhas,
ultrapassar o equador, trópicos e as Índias
as dores externas e as internas Tordesilhas!
Vencer o medo de noites-trevas sem estrelas
livrar-se do tédio e o bombordo em solidão
embriagar-se de rum como qualquer marujo
murmurar canções antigas até cair dormente
no catre que acolhe ossos sem nenhum colchão.
Ser além do concreto próprio dos sentidos
saber o que é irreal, crendice ou fantasia
intuir os riscos dos oceanos em conquista
ver os pontos cegos ao perscrutar da gávea
e antecipar certeiro o grito : - Terra a vista!
Ancorar a nau em litoral desconhecido
trocar presentes, buscar água e alimento
ensinar a língua natal de enredado uso
levar aos pagãos: a Companhia de Jesus,
a poesia e o senso de propriedade luso!
Deitar-se ardente em palha limpa e seca
sem qualquer pecado ou susto de marés
provar o nú de novas índias e negras belas
misturar sem culpa os castanhos pelos
aos ausentes ou pixains de cada uma delas!
Além de cafuzos, mamelucos e mulatos
formar uma nova raça com um leite denso
deixar algum vestígio português na Ásia
dois pés na África e no sangue do amanhã
a alegria genética de um Brasil imenso!
Um comentário:
Coloquei no meu blogger sua frase do salto alto no twitter. Tudo bem? Se tiver problema, eu tiro, ok?
Sempre te leio e sempre adoro.
bjssss
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