sábado, 19 de março de 2011

Sangue Lusitano

Miro, 13 de janeiro de 2006.

Ainda sinto percorrer em minhas veias
um resto nobre de algum sangue lusitano
como se fosse possível em um instante
correr feliz até o próximo cais do porto
e comandar caravelas qual um rico infante!

Deixar para traz o Tejo, o beijo da donzela
o conforto do castelo, o calor de suas lareiras
a despedida em festa de aldeãos ribeirinhos
o aroma de bacalhau cozido no azeite puro
e o sexo comedido entre os lençóis de linho!

A família e a coroa a lucrar com o intento
a posse de novos títulos e fidalgos fundos
a descendência a se garantir por séculos
e mesmo em companhia de degredados
alimentar a esperança de um novo mundo!

Com os olhos marejados de contente
partir por mares nunca dantes navegados
sentir o cheiro de Netuno entre as narinas
no acri-doce de peixes secos no convés
e nos suores salgados por naval rotina!

Na boca um gosto travado pelo tabaco
e traços licorosos de vinhos da Madeira
a água em sono nos tonéis e o quinino
dando ao hálito o sabor podre dos diabos
longe das especiarias e temperos finos!

A pele ressecada no Sol e água salgada
vira termômetro para auscultar o clima
o peito aguarda nas tardes escaldantes
o refresco da garoa sobre os poros nus
e nas tormentas... um arrepio constante!

Ouvir anestesiado às ondas sob o casco
atentar as velas e qualquer outro estalido
do silêncio mortal do vento em calmaria
até o recrudescer da brisa em furacão 
manter a direção e a alma em romaria!

Fixar os olhos na proa e no horizonte
medir as estrelas com sextante precisão
buscar no céu uma gaivota transparente
folhas verdes no mar, flutuantes troncos
que apontem ilhas ou o novo continente.

Manter no passadiço o timão e a voz firme
controlando com gana a moral dos homens
lutar contra o escorbuto, motins e pilhas,
ultrapassar o equador, trópicos e as Índias
as dores externas e as internas Tordesilhas!

Vencer o medo de noites-trevas sem estrelas
livrar-se do tédio e o bombordo em solidão
embriagar-se de rum como qualquer marujo
murmurar canções antigas até cair dormente
no catre que acolhe ossos sem nenhum colchão.

Ser além do concreto próprio dos sentidos
saber o que é irreal, crendice ou fantasia
intuir os riscos dos oceanos em conquista
ver os pontos cegos ao perscrutar da gávea
e antecipar certeiro o grito : - Terra a vista!

Ancorar a nau em litoral desconhecido
trocar presentes, buscar água e alimento
ensinar a língua natal de enredado uso
levar aos pagãos: a Companhia de Jesus,
a poesia e o senso de propriedade luso!

Deitar-se ardente em palha limpa e seca
sem qualquer pecado ou susto de marés
provar o de novas índias e negras belas
misturar sem culpa os castanhos pelos
aos ausentes ou pixains de cada uma delas!

Além de cafuzos, mamelucos e mulatos
formar uma nova raça com um leite denso
deixar algum vestígio português na Ásia
dois pés na África e no sangue do amanhã 
a alegria genética de um Brasil imenso!

Um comentário:

Patrícia Garbuio disse...

Coloquei no meu blogger sua frase do salto alto no twitter. Tudo bem? Se tiver problema, eu tiro, ok?
Sempre te leio e sempre adoro.
bjssss